09 Jul / 2020

Google Translate: tradutor ou contraventor?

“Sua profissão está com os dias contados!”; “muito em breve ninguém mais precisará de tradução”, “o Google Translate é o tradutor do futuro”. Do futuro? Essas são algumas das frases mais ouvidas por tradutores e intérpretes de conferência nos dias de hoje, em que o Google tradutor já é uma realidade que, de fato, tira do sufoco tanto o cientista de Harvard quanto o turista que não quer fazer feio em sua viagem à Rússia.

As novas tecnologias não só ajudam como são um caminho inexorável. Já existem programas de memória de tradução que, conectados ao Google translator, sugerem frases que muitas vezes surpreendem pela criatividade. Atire a primeira pedra o tradutor que nunca teve que dar o braço a torcer diante de uma escolha terminológica da memória do Google. Mas por mais refinados que pareçam, os algoritmos ainda não superaram a intrincada capacidade de análise e julgamento do cérebro humano. Os famosos against filet (contra-filé) e grilled titty (maminha grelhada) são bons exemplos disso.

Indo além da gastronomia, a confiança cega na tecnologia pode provocar resultados um pouco mais complicados do que o constrangimento no restaurante. Em outubro do ano passado, um homem que viajava com documento de habilitação vencido foi preso no Kansas por um guarda-rodoviário que, ao notar seu parco nível de inglês, decidiu traduzir o diálogo entre os dois por meio do aplicativo de tradução. Uma resposta mal traduzida levou o rapaz para a prisão. Confira a matéria completa, do Business Insider, em inglês, no link abaixo. Em caso de dúvidas terminológicas, consulte o Google tradutor.

A Google translation isn’t enough evidence to send someone to jail, finds the judge in a narcotics case (businessinsider.com)

09 Jul / 2020

Mais uma vez, os intérpretes ajudaram a fazer história

No encontro entre o presidente americano Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un, houve um momento em que os dois chefes de estado ficaram a sós numa sala privada, acompanhados apenas de seus respectivos tradutores. Nesses momentos históricos, os olhos do mundo prestam atenção a esses profissionais que, em outras ocasiões, costumam ser invisíveis. Os intérpretes têm um papel fundamental em encontros oficiais, cúpulas de paz e negociações de acordos internacionais e, mais do que simples linguistas, são muitas vezes diplomatas. Desta vez não foi diferente, e a imprensa internacional compreendeu a importância da tradução simultânea para o encontro entre Trump e Kim. A VOX selecionou dois artigos interessantes sobre o assunto (apenas em inglês), que você lê a seguir:

Success of Trump-Kim summit could hinge on interpreters who can ‘make or break’ talks (abcnews.com)

The pressures of being an interpreter at a high-stakes summit (npr.org)

09 Jul / 2020

Tá no filooooó! – Comemorar um gol e traduzir uma palestra: o que essas duas coisas têm em comum?

Viena, Áustria. Estádio Ernst Happel. Último amistoso do Brasil antes da estreia no Mundial da Rússia. Gabriel Jesus faz um gol e, na sequência, um gesto, como se simulasse uma ligação telefônica, homenagem à mãe, para quem, desde pequeno, tem o costume de ligar para dizer que está bem.

Os rituais de comemoração dos gols, e a respectiva especulação e palpites da torcida sobre seu significado, são um capítulo à parte no mundo do futebol – e guardam também uma relação com o trabalho dos intérpretes de conferência, como mostraremos mais adiante.

Há rituais clássicos, como o de Bebeto, na Copa de 1994, nos Estados Unidos, no jogo das quartas de final contra a Holanda, em que fez movimentos como se embalasse um bebê. Mazinho e Romário engrossaram o coro e comemoraram junto o nascimento do filho do craque. O gesto, aliás, passou a ser usado por vários outros jogadores como homenagem a seus rebentos recém nascidos.

Gerard Piqué, zagueiro do Barcelona, cruza os braços e faz um número dois com cada mão, em referência à data de aniversário da mulher, a cantora Shakira, nascida no mesmo dia que ele. O uruguaio Luis Suárez beija três dedos em homenagem aos dois filhos e a mulher. Sobre sua compulsão por morder os adversários em campo a gente fala outro dia…

Acontece que a CBF não acha assim tanta graça nas tais comemorações dos jogadores. Certas manifestações já não são permitidas, como tirar a camisa, cobrir a cabeça ou subir para comemorar com a rapaziada na arquibancada. Neymar não leu a última atualização do manual da Fifa e teve que engolir um cartão amarelo ao comemorar o segundo gol do Brasil no amistoso de hoje de manhã. Phillipe Coutinho, mais comportado, celebrou o terceiro gol da seleção brasileira com um abraço fraterno nos companheiros e um sinal da cruz. Placar final: 3×0.

Mas não são só as torcidas que se divertem interpretando gestos de grandes craques. E nem só de palavras vivem os intérpretes. Os gestos e a expressão corporal são elementos importantíssimos para o entendimento de um discurso. Intérpretes fazem leitura labial. Leem nas entrelinhas. Ver o orador em ação nos permite dar o tom correto de uma frase, entender se se trata de uma simples observação ou de uma exclamação; uma pergunta retórica ou indagação de fato; uma ironia. Há gestos, inclusive, que substituem uma frase inteira. Ao vê-los, o intérprete pode não reproduzi-los para o público, mas encontrará a frase certa para explicá-los.

Outro dia, interpretando um curso prático de ortodontia, o médico usava os braços e as mãos o tempo todo para indicar os movimentos que deveriam ser feitos para corrigir a posição do dente. Dizia: “Vocês entram por aqui, inclinam o dente assim, depois giram para lá.” Para lá onde? Para a direita? Para a esquerda? Inclinar como? Entrar de que maneira? Todas essas informações foram transmitidas com gestos e não com palavras.

Quando estiver em um evento com tradução simultânea, preste atenção: Muitos intérpretes são tão efusivos em seu gestual quanto os oradores que traduzem. Inclusive, incorporar quem se interpreta, ou seja, concentrar-se e procurar se colocar no lugar do palestrante, é um recurso usado por esses profissionais para absorver e transmitir com maior riqueza de detalhes as nuances da fala.

Não raro, por questões de espaço, as cabines de tradução simultânea são instaladas em locais em que o intérprete não tem a visão direta do palco, às vezes até fora da sala, casos em que muitas vezes se instala um monitor dentro da cabine, para que os intérpretes de conferência possam ver seus oradores. Cada vez é mais comum interpretar de forma remota, frequentemente sem visão alguma de quem fala.

A tradução simultânea e o futebol não são tão diferentes. A gente treina, sofre, se emociona, sua a camisa, mas se diverte!

09 Jul / 2020

Craques da tradução simultânea: A interpretação na Copa do Mundo

No dia 14 de junho, a bola vai rolar em Moscou, na partida que abre a Copa do Mundo de 2018: Rússia x Arábia Saudita. Nesse momento, um time de craques tão habilidosos quanto discretos vai entrar em campo – um campo bem mais apertado, formado por 4 paredes à prova de som, sem gramado ou traves. São os intérpretes de conferência, responsáveis pela tradução das coletivas de imprensa e demais encontros oficiais do torneio.

O trabalho de tradução simultânea no mundial tem mais semelhanças com o universo do futebol do que você imagina – e é velho conhecido dos atletas, já acostumados à presença de intérpretes no cenário globalizado do esporte atual. “O grande interesse pelo futebol por parte da mídia, bem como a existência de atletas ‘imigrantes’ em clubes de elite, tem levado a um número crescente de entrevistas coletivas com jogadores e técnicos que não dominam o idioma do país onde trabalham”, escreve Annalisa Sandrelli, professora de Interpretação de Conferências da Universidade de Estudos Internacionais de Roma, num artigo acadêmico sobre o assunto. “Isso cria um nicho de mercado para tradutores profissionais nessa área”. Durante a Copa do Mundo, esse nicho atinge o ápice: é o momento com maior concentração de tradutores falando sobre futebol.

A seguir, você descobre um pouco mais sobre esse “esporte” fascinante chamado interpretação – e sua aplicação durante o mundial.

O Treino: Assim como os integrantes das esquadras nacionais, os intérpretes responsáveis pela tradução simultânea oficial da Copa do Mundo começam a se preparar muito antes do apito inicial. Em primeiro lugar, é preciso escolher os profissionais que vão trabalhar na Copa (leia “A Escalação”, a seguir). Montada a equipe, o Serviço de Idiomas da FIFA – órgão permanente que funciona na sede da organização, em Zurique, na Suíça – distribui para os intérpretes uma série de textos, documentos e glossários: é a fase de estudos. Os tradutores leem o material, aprendem em profundidade a terminologia específica do futebol e da Copa, assistem a vídeos de edições anteriores da competição e vão se familiarizando com as seleções participantes. Também para os intérpretes, há, digamos, “amistosos” que preparam a equipe para o evento propriamente dito: “o sorteio dos grupos, o workshop dos times, realizado em fevereiro de 2018 em Sochi, e sobretudo a Copa das Confederações são uma espécie de ensaio geral do esquema de tradução simultânea que será usado na competição”, conta Estelle Valensuela, gerente da Unidade de Intérpretes da FIFA, em entrevista exclusiva para o blog Outras Palavras, da VOX. “Essas ocasiões são ótimas oportunidades para adquirir mais experiência, trabalhar em parceria com o comitê organizador local da Rússia e saber o que esperar quando a Copa começar para valer”, continua ela.

A Escalação: Alisson. Ederson. Cássio. Danilo. Fagner. Marcelo. Filipe Luís. Miranda. Marquinhos. Thiago Silva. Geromel. Casemiro. Fernandinho. Paulinho. Renato Augusto. Fred. Philippe Coutinho. Willian. Neymar. Douglas Costa. Gabriel Jesus. Roberto Firmino. Taison.

A lista aí em cima, escolhida pelo técnico Tite, você já conhece. Ela foi motivo de muita expectativa antes de ser anunciada – e também de apostas: quem sai do time para a entrada de Neymar, recuperado do dedinho quebrado e autor de um golaço no amisto contra a Croácia: Fernandinho ou Willian? A escalação da equipe de intérpretes para a Copa do Mundo é igualmente importante e delicada, mas leva em conta critérios diferentes. “Selecionamos profissionais experientes, que tenham um diploma de Interpretação de Conferências, sejam interessados por futebol e esportes e tenham também amplos conhecimentos gerais”, explica Estelle. Isso porque, durante uma entrevista pós-jogo, atletas e treinadores podem discorrer sobre impedimentos, lesões na coxa direita, pênaltis duvidosos – ou sobre trechos da Bíblia que costumam ler antes das partidas, acontecimentos políticos em seu país de origem, um filme que viram no cinema e acharam inspirador… Os tradutores têm de estar preparados para tudo: precisam ser, a um só tempo, especialistas e generalistas. “Flexibilidade, mente aberta, compromisso e respeito são fundamentais para um profissional de tradução simultânea”, completa a linguista da FIFA. Tanto na Copa do Mundo quanto fora dela, acrescentamos nós aqui da VOX.

Para montar essa seleção campeã da tradução simultânea, os intérpretes começam a ser contratados meses antes da competição. Embora haja muitos tradutores no mundo, as possibilidades vão se afunilando quando consideradas todas as características acima – mais a necessidade de atender às combinações de idiomas exigidas a cada ocasião, a depender dos países envolvidos (leia abaixo em “O Esquema Tático”). “Os bons intérpretes costumam ser extremamente ocupados e requisitados. Por isso, é preciso reservá-los com antecedência, para garantir que estejam disponíveis durante todo o período da Copa”, continua Estelle.

O Esquema Tático: 4-4-2? 4-1-4-1? 4-2-3-1?

Não, o esquema tático que envolve os intérpretes é um pouco diferente da distribuição dos jogadores num gramado verdinho. É preciso levar em consideração, acima de tudo, os idiomas de trabalho de cada um. A FIFA tem quatro línguas oficiais: inglês, alemão, francês e espanhol. Além disso, a Copa do Mundo reúne seleções cujas línguas vão do nosso português ao árabe, passando pelo dinamarquês, coreano, polonês, japonês e por aí vai.

Num exemplo prático: na fase de grupos, o Brasil vai enfrentar a Sérvia (27 de junho, às 15h de Brasília, para quem não quiser perder). Depois do jogo, como sempre, as duas equipes concedem coletivas à imprensa. Essas conversas costumam ser traduzidas para os quatro idiomas oficiais da FIFA – que, somados ao português e ao sérvio, já representam seis línguas. Mais o russo, falado no país-sede, e temos sete idiomas em jogo. Para temperar bem essa salada linguística, usa-se um recurso chamado de relay ou relê no jargão da tradução simultânea: o jogador sérvio fala na sua língua materna (língua 1); um intérprete traduz do sérvio para o inglês (língua 2); na cabine ao lado, outro intérprete escuta essa versão em inglês (língua 2) e traduz para o português (língua 3). É uma espécie de corrida de revezamento – daí o nome relay –, na qual o conteúdo é passado de um idioma para outro, do jogador para um intérprete e depois para outro, como se fosse um bastão. Pode parecer confuso, mas funciona.

A Comissão Técnica: Os intérpretes também têm seus equivalentes ao treinador Tite, ao preparador físico Ricardo Rosa ou ao auxiliar técnico Matheus Bacchi. Trata-se da equipe de coordenação, da qual Estelle Valensuela faz parte. A principal função desse pequeno grupo de intérpretes não é a tradução propriamente dita, mas sim comandar o time de linguistas: estabelecer as duplas que vão trabalhar a cada evento e em cada combinação de idiomas; distribuir glossários, textos informativos, horários e locais de trabalho; verificar se as condições técnicas são adequadas para o bom desempenho dos intérpretes (tamanho das cabines, equipamento utilizado, qualidade do som, etc.). Na Rússia, isso significa reger uma orquestra de quase 50 linguistas, trabalhando em 16 idiomas.

Assim como ocorreu na África do Sul (2010) e no Brasil (2014), a tradução simultânea das coletivas e eventos na Rússia não será feita in loco, e sim a partir de um Centro de Interpretação Remota (RIC, na sigla em inglês). Em cada uma dessas Copas os centros ficavam, respectivamente, em Johanesburgo, Rio de Janeiro e agora em Moscou. As coletivas são transmitidas via satélite para o RIC, onde os intérpretes trabalham dentro das tradicionais cabines à prova de som, diante de monitores de TV que mostram imagens da pessoa que está falando e precisa ser traduzida. “É fundamental que o profissional veja quem está traduzindo, para acompanhar gestos, expressões e movimentos labiais”, diz Estelle. O áudio da tradução é então transmitido de volta para a cidade onde a coletiva está ocorrendo, de modo que os jornalistas presentes possam acompanhar, e também para canais de TV que estejam transmitindo a entrevista.

O sistema de interpretação remota tem vantagens e desvantagens, conforme explica Andrey Moiseev, diretor do Departamento de Idiomas do Comitê Organizador Local russo: “pode haver um atraso de alguns segundos no áudio da tradução, mas esse problema é compensado pela praticidade de contar com todos os intérpretes no mesmo local”. Ou seja: em vez de ter tradutores viajando por um país de dimensões continentais como a Rússia (o que traria desafios logísticos), a interpretação via satélite permite que uma mesma dupla de intérpretes traduza até três coletivas num único dia. Em mais uma metáfora futebolística, isso significa contar com os jogadores em campo por mais tempo.

Pronto: agora você já pode pegar a vuvuzela, cruzar os dedos e torcer pelo hexa, na certeza de que todo mundo vai se entender, dentro e fora de campo.

09 Jul / 2020

Inculta e – acima de tudo – bela

Na condição de intérpretes e tradutores, nós (a turma da VOX) gostamos muito de estudar e conhecer todos os meandros das línguas estrangeiras. Mas o primeiro amor de qualquer pessoa apaixonada por idiomas é o nosso português. Não importa o que se diga sobre ele – o subjuntivo dos verbos “ver” e “vir” é um inferno, a norma culta é cheia de regras e exceções ilógicas, a grafia de “obsessão” e “obsceno” e “exceção” é uma eterna pegadinha… O fato é que falamos uma língua linda e mundialmente conhecida como musical.

Esse profundo interesse pelo português nos leva a recomendar a série de reportagens especiais “O Tamanho da Língua”, publicada recentemente pela Folha de São Paulo. Em diversas matérias, o jornal conta a história do surgimento do nosso idioma – resultado, entre outras coisas, do domínio do Império Romano na região da Península Ibérica –, mostra os diferentes “portugueses” falados no Brasil, em Portugal e nos países africanos, revela a influência dos índios no inconfundível sotaque paulista do “interiorrrrr” e muitas outras curiosidades fascinantes.

Confira os textos aqui (infelizmente, restritos a assinantes da Folha de São Paulo ou do UOL): O Tamanho da Língua (folha.com.br)