13 Dez / 2021

O Presente que os Tradutores e Intérpretes Gostam de Ganhar

Outro dia aprendi uma expressão nova num podcast inglês: “cabinet reshuffle”, para se referir a uma dança das cadeiras num ministério. Gostei tanto dessa aquisição linguística que fiquei ansiosa por uma ocasião para usá-la. Hoje, a ocasião finalmente apareceu: durante uma palestra, um brasileiro comentou as recentes trocas de ministros em Brasília, e sapequei o “cabinet reshuffle” na tradução para os ouvintes britânicos da plateia. Que sensação boa ter a palavra certa – le mot juste, como dizem tão lindamente os franceses – na hora exata e na ponta da língua, para colocá-la com precisão no contexto adequado.

Nesse episódio, interessa menos a expressão em si do que o prazer de usá-la. Acertar na mosca um termo elegante, idiomático, aplicado com propriedade e sem pedantismo, é mais ou menos como ganhar uma roupa bonita e ter uma festa para vesti-la. Ou como comprar um vinho de uma safra memorável e degustar o primeiro gole quando a garrafa é aberta. Para quem gosta de línguas, adquirir uma nova palavra para o próprio vocabulário equivale a ter em mãos um presente que a gente curtiu muito e está louco para estrear.

Essa pequena (grande) felicidade não se restringe a intérpretes de conferência, quando produzem uma solução irretocável na fração de segundos que têm à disposição para fazer suas escolhas tradutórias. Sei que muitos colegas de profissão experimentam esse mesmo deleite, até porque já testemunhei vários golaços de intérpretes com quem divido a cabine. Para quem trabalha com tradução simultânea, é natural que esses momentos de curtição ocorram diante de expressões mais sofisticadas – afinal, por dever de ofício os tradutores precisam de um elevado grau de conhecimento dos idiomas em seu “cardápio”. Mas, guardadas as devidas proporções de proficiência, um estudante de X (preencha com o idioma de sua preferência) sente igual alegria quando finalmente consegue colocar em prática – numa viagem ou num curso no exterior, por exemplo – as lições estudadas na sala de aula.

E mais: a experiência não vale apenas para línguas estrangeiras. Também no nosso bom e velho português é bacana ter a possibilidade de usar uma expressão recém-incorporada, que a gente viu num livro ou leu no jornal. O mesmo vale para o jargão profissional: basta considerar um calouro de Direito, que se afoga no juridiquês ao entrar na faculdade e, com o tempo, compreende a diferença entre “deprecada”, “deprecado”, “deprecante” e “deprecar” – e torna-se capaz de usar a palavra certinha, na situação adequada, sem solavancos. Deve ser, sem dúvida, motivo de felicidade para um jovem bacharel.

Talvez esse prazer seja resultado da sensação real, quase palpável, de estar aprendendo (o que, em termos filosóficos, equivale a estar vivendo). Não à toa a gente diz “fulano domina tal língua”, como se os idiomas fossem bestas indomáveis que vamos domesticando à medida que nosso conhecimento aumenta. Quem já teve a experiência de começar a estudar uma nova língua na vida adulta sabe muito bem que a sensação pode ser exatamente essa: “eu nunca vou aprender esse troço”. Mas a gente aprende. E, quando aprende, é uma delícia.

Texto de Beatriz Velloso.