09 Mai / 2022

“Sotaque é coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, sua história” José Paulo Paes

Este é um texto dirigido a quem tem vergonha de falar inglês – ou qualquer idioma estrangeiro – com sotaque. O recado aqui é simples (embora pareça contraintuitivo num site voltado para o ambiente de trabalho, onde o inglês é tão valorizado): não tenha vergonha, tenha orgulho. Seu sotaque é só seu. É como uma mancha de nascença, um jeito único de coçar o nariz, é como sua caligrafia. Ele não deve ser apagado: deve ser celebrado.

O grande poeta, tradutor e ensaísta José Paulo Paes (1926 – 1998) dizia: “sotaque é coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, sua história”. Lembrei dessa frase outro dia ao ouvir Jorge Ben cantando “Brother”, com sua inigualável pronúncia para a palavra “music”: “miu-si-qui”, entoada com uma música (perdoem o trocadilho) que só nós, brasileiros, somos capazes de produzir.

Uma coisa puxou outra, e fui levada a outras canções maravilhosas e cheias de charme, declamadas em brasinglês: João Gilberto sussurrando “’S Wonderful”, de George e Ira Gershwin, no clássico álbum Amoroso, com sua forma irresistivelmente baiana de escandir as sílabas da palavra “marvelous”; Gal Costa em “London London”, com uma voz dos céus e um inglês quase perfeito – mas ainda assim imperfeito, e justamente por isso tão especial; e a minha preferida: Mart’nália fazendo “Don’t Worry, Be Happy”, diretamente de Vila Isabel (nas palavras da própria sambista). Quem disser que essa versão carioca do sucesso de Bobby McFerrin ficaria melhor se fosse cantada sem sotaque é ruim da cabeça ou doente do pé.

Nesse périplo pelo universo dos sotaques, encontrei um precioso vídeo de dois minutinhos com uma apresentação da americana Denice Frohman, cujo trabalho eu não conhecia. Na performance, Frohman fala do sotaque de sua madre porto-riquenha – sotaque que a mãe empunha “como uma espingarda”. A artista diz: “minha mãe tem teclas de piano demais entre os dentes” para ser capaz de falar inglês sem sotaque. Não é uma imagem bonita?

O mesmo José Paulo Paes contava a história de um amigo italiano que falava inglês com sotaque bem forte, e justificava: “por que vou falar tão bem uma língua estrangeira? Eu não quero ser espião”. Se você também não quer ser espião – nem intérprete de conferências, categoria profissional que tem a obrigação de dominar dois ou mais idiomas, de preferência sem sotaque – abrace sua forma de se expressar em outros idiomas, acolha a cadência que é só sua. Exiba seu sotaque com altivez, fale inglês, espanhol, francês sem medo. E don’t worry, be happy. Como ensina a sábia Mart’nália.

(Ah: e para aqueles momentos e situações em que a comunicação em outra língua precisa ser clara, exata e sem margem para mal-entendidos, contrate intérpretes profissionais.)

Texto de Beatriz Velloso