23 Ago / 2021

O Tamanho das Línguas

Eu tirei a foto abaixo há um bom tempo – naquele “passado distante” em que a gente ia a museus, cinemas e restaurantes, ou se amontoava em aeroportos e voos lotados. É a imagem de uma das legendas de parede da exposição de Takashi Murakami no Instituto Tomie Ohtake, realizada em São Paulo no final de 2019. Na época, as duas colunas de texto colocadas lado a lado, em português e inglês, chamaram minha atenção quase tanto quanto as obras grandiosas, coloridas e oníricas do artista japonês: eram uma representação gráfica muito clara da diferença no tamanho das línguas.

Lembrei dessa foto hoje, enquanto fazia a tradução de um arquivo em formato Powerpoint. Terminado o trabalho, os textos em português ficaram todos, sem exceção, mais longos do que os originais em inglês – o que acabou alterando um pouquinho o layout dos slides.

Alguns clientes às vezes têm dificuldade de compreender essa característica intrínseca das línguas – o que é totalmente compreensível para quem não trabalha com idiomas de forma tão íntima quanto tradutores e intérpretes: o português (e as línguas latinas, de maneira geral) é mais prolixo do que o inglês. No Brasil, quase sempre precisamos de mais palavras para dizer a mesma coisa que um americano ou britânico. Em parte, isso se deve à estrutura dos idiomas: via de regra, o inglês é mais sucinto, mais afeito a contrações que transformam duas palavras em uma (did not = didn’t), mais capaz de resumir ações que soam compridas em português (“garden”, como verbo, é o que nós chamamos “praticar jardinagem” – uma diferença de 12 letras!). Além disso, o inglês usa menos artigos: no exemplo da foto das legendas da exposição, “Japanese art and culture” vira “A arte e a cultura japonesas”.

Mas há também questões culturais em jogo: por aqui, temos um jeito mais elaborado de falar, mais cheio de salamaleques (o que, na minha opinião, faz parte do charme do português). Para constatar essas variações de personalidade linguística, basta recorrer a uma expressão prosaica do cotidiano: o clássico “mind the gap” do metrô londrino, um primor de concisão, vira “ao desembarcar, cuidado com o vão entre o trem e a plataforma” nas estações de São Paulo.

A comparação entre as duas colunas de texto da foto tirada no Tomie Ohtake e os outros exemplos citados acima podem parecer irrelevantes. Afinal de contas, que diferença fazem 12 letrinhas (ou 40, no caso do aviso sonoro nos vagões)? Pois elas fazem diferença sim, e muita. Somadas, essas pequenas alterações de tamanho ao longo de uma publicação mais comprida, de um livro, de uma apresentação de slides ou de um cartaz podem significar mudanças na paginação, no tamanho da fonte escolhida, no espaçamento, na quantidade de páginas e até de tinta necessárias para impressão. Tudo isso tem um efeito não apenas estético, mas também financeiro, que deve ser levado em consideração. Além disso, vale lembrar que o trabalho dos tradutores é traduzir – mas não paginar, fazer ajustes no design ou editar, decidindo o que fica e o que sai caso a intenção seja preservar o tamanho do texto.

Moral da história: se na sua empresa você precisa de traduções, lembre-se de que as línguas têm diferentes estruturas, gramáticas, sintaxes, ortografias – e, consequentemente, tamanhos. Vale a pena computar essas variáveis quando tiver em mãos um texto em inglês que precisa ser vertido para português. A chance de receber de volta um arquivo com mais caracteres e palavras do que o enviado originalmente é imensa.

Em tempo: não me lembro mais o nome do/a tradutor/a responsável pelos textos sobre Murakami, embora com certeza eu tenha observado isso quando fui à exposição. Se alguém souber, avise aqui para que eu possa dar o devido crédito.

Texto de Beatriz Velloso.