A versão em português do “Canto para Govinda”, de autoria do poeta Jayadeva, recebeu na terça 19 o Prêmio Jabuti na categoria Tradução. O trabalho é obra do professor João Carlos B. Gonçalves [foto], que dedicou seis anos ao texto e mais alguns meses à revisão publicada pela Penguin-Companhia das Letras.
A verdade, porém, é que o termo “mágica” não se aplica ao processo tradutório – embora a aparição dos versos num novo idioma possa sugerir algo tirado do fundo de uma cartola, em questão de segundos. O livro é o fecho de uma longa jornada, fruto de décadas de estudo, noites de dedicação incansável, acúmulo de técnicas apuradas, um cabedal de conhecimentos culturais e linguísticos profundos. Em outras palavras: é muita mufa queimada.
A complexidade da tarefa fica evidente no prefácio de Gonçalves: “Foi um trabalho de caso pensado traduzir todo o poema em versos rimados. Os versos das canções ficaram metrificados, enquanto os versos narrativos ficaram livres. Essa escolha deriva da arquitetura original sânscrita, que utiliza modalidades diferentes de versificação nessas duas dimensões do poema. Além da forma superficial, a métrica e a rima, foi minha intenção produzir efeitos sonoros e preservar as figuras de linguagem, dando-lhes o encanto da língua portuguesa, considerada a assimetria inerente ao ato de tradução”.
Olha só o tanto de coisa que esse cara levou em consideração para chegar ao resultado final! Métrica, rima, ritmo, sonoridade, conteúdo, diferenças estruturais entre as línguas (que o tradutor chama de “arquitetura”, e é isso mesmo). Noves fora os aspectos que separam – ou que podem unir – um autor da Índia do século 12 a um leitor no Brasil do século 21.
A princípio, tudo aponta para um quebra-cabeça de impossível solução, daqueles que a gente olha e pensa: “ah, isso aí… não vai dar”. No entanto, voilà! O livro existe em português, para quem quiser ler, graças a essa costura intrincada e fascinante chamada tradução.
Parabéns a Gonçalves pelo prêmio, e também aos demais indicados. Que ofício bonito, esse.
Texto por: Beatriz Vellozo