09 Mai / 2022

“Sotaque é coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, sua história” José Paulo Paes

Este é um texto dirigido a quem tem vergonha de falar inglês – ou qualquer idioma estrangeiro – com sotaque. O recado aqui é simples (embora pareça contraintuitivo num site voltado para o ambiente de trabalho, onde o inglês é tão valorizado): não tenha vergonha, tenha orgulho. Seu sotaque é só seu. É como uma mancha de nascença, um jeito único de coçar o nariz, é como sua caligrafia. Ele não deve ser apagado: deve ser celebrado.

O grande poeta, tradutor e ensaísta José Paulo Paes (1926 – 1998) dizia: “sotaque é coisa adorável, pois guarda o passado de uma pessoa, sua história”. Lembrei dessa frase outro dia ao ouvir Jorge Ben cantando “Brother”, com sua inigualável pronúncia para a palavra “music”: “miu-si-qui”, entoada com uma música (perdoem o trocadilho) que só nós, brasileiros, somos capazes de produzir.

Uma coisa puxou outra, e fui levada a outras canções maravilhosas e cheias de charme, declamadas em brasinglês: João Gilberto sussurrando “’S Wonderful”, de George e Ira Gershwin, no clássico álbum Amoroso, com sua forma irresistivelmente baiana de escandir as sílabas da palavra “marvelous”; Gal Costa em “London London”, com uma voz dos céus e um inglês quase perfeito – mas ainda assim imperfeito, e justamente por isso tão especial; e a minha preferida: Mart’nália fazendo “Don’t Worry, Be Happy”, diretamente de Vila Isabel (nas palavras da própria sambista). Quem disser que essa versão carioca do sucesso de Bobby McFerrin ficaria melhor se fosse cantada sem sotaque é ruim da cabeça ou doente do pé.

Nesse périplo pelo universo dos sotaques, encontrei um precioso vídeo de dois minutinhos com uma apresentação da americana Denice Frohman, cujo trabalho eu não conhecia. Na performance, Frohman fala do sotaque de sua madre porto-riquenha – sotaque que a mãe empunha “como uma espingarda”. A artista diz: “minha mãe tem teclas de piano demais entre os dentes” para ser capaz de falar inglês sem sotaque. Não é uma imagem bonita?

O mesmo José Paulo Paes contava a história de um amigo italiano que falava inglês com sotaque bem forte, e justificava: “por que vou falar tão bem uma língua estrangeira? Eu não quero ser espião”. Se você também não quer ser espião – nem intérprete de conferências, categoria profissional que tem a obrigação de dominar dois ou mais idiomas, de preferência sem sotaque – abrace sua forma de se expressar em outros idiomas, acolha a cadência que é só sua. Exiba seu sotaque com altivez, fale inglês, espanhol, francês sem medo. E don’t worry, be happy. Como ensina a sábia Mart’nália.

(Ah: e para aqueles momentos e situações em que a comunicação em outra língua precisa ser clara, exata e sem margem para mal-entendidos, contrate intérpretes profissionais.)

Texto de Beatriz Velloso

25 Abr / 2022

Pensar numa língua e trabalhar em outra cansa

Outro dia topei com este texto, escrito pelo Matheus Richard. No artigo, ele fala sobre o esforço adicional exigido de pessoas que não têm o inglês como língua materna, mas que trabalham em empresas onde esse é o idioma oficial de comunicação. Eu não conheço o Matheus. Olhando o perfil dele no LinkedIn, me parece que é brasileiro e fala um inglês excelente. Mesmo assim, ele já sacou que, na rotina das companhias anglo-parlantes, funcionários nascidos e criados em outro idioma passam o dia realizando um processo mental exaustivo e constante: raciocinam instintivamente na sua língua nativa, mas precisam se expressar em outro idioma. (Isso sem contar todas as demais tarefas da rotina profissional.)

Matheus relembra a “sensação de não conseguir dizer exatamente” o que ele queria. E oferece um misto de conselho/desabafo para quem se encontra na mesma situação: “não tem nada de errado quando a gente se sente cansado depois de um dia inteiro trabalhando num segundo idioma. Não tem nada de errado se a gente esquece uma palavra. Não tem nada de errado quando a gente não entende. Não tem nada de errado em ser humano!”

Ele está coberto de razão. E as coisas que o Matheus escreve me convidam a fazer um merchan da minha profissão, na qual acredito e da qual me orgulho. Em reuniões importantes e decisivas, nos momentos em que a gente quer dizer exatamente o que está pensando, nas ocasiões em que a empresa deseja oferecer a todos a mesma possibilidade de entender e falar com segurança e fluência, não importa a nacionalidade de cada um… Em situações como essas, os intérpretes de conferências podem ajudar. Muito.

A presença do intérprete libera as pessoas do processo mental ininterrupto descrito pelo Matheus, do cansaço de pensar e se expressar em outra língua, do esforço para lembrar de palavras e acertar a conjugação do verbo, da tensão de cometer uma gafe cultural involuntária no contato com colegas de outros países. Os funcionários ficam à vontade para se concentrar na sua área de atuação – TI, jurídico, marketing, contabilidade. Não precisam se preocupar em acertar o present perfect, em achar o phrasal verb correto, em saber se a preposição adequada para aquela frase é in, on ou at. E não ficam com a pulga atrás da orelha: “será que estou me fazendo entender? Será que estou entendendo direito?”

Mas talvez o mais importante seja uma questão de inclusão – palavra bonita que a gente tem ouvido muito, e que precisa ser aplicada na prática. Empresas que exigem conhecimentos avançados de inglês como requisito para candidatos e candidatas fecham as portas para uma porção de gente bacana e competente, que poderia oferecer uma baita contribuição (inclusive financeira) para os negócios. Isso tem que mudar, e os intérpretes podem fazer parte dessa transformação. Com a possibilidade de usar a tradução simultânea remota, contratar esse serviço ficou ainda mais fácil e acessível.

É claro que as companhias devem oferecer aulas de inglês para que os colaboradores aprendam, se aprimorem e sintam aquela sensação gostosa de finalmente dominar um novo idioma (todo mundo deveria ter direito a essa conquista, que abre portas para filmes, livros, viagens, comidas, pessoas e avanços profissionais). Mas, enquanto isso não acontece, não deveríamos desperdiçar a oportunidade de contar com tanta gente incrível que está por aí (e por aqui, no LinkedIn) só por falta de inglês fluente. Essa parte, o intérprete resolve. E mais pessoas ganham uma chance para voar.

Texto de Beatriz Velloso.

13 Dez / 2021

O Presente que os Tradutores e Intérpretes Gostam de Ganhar

Outro dia aprendi uma expressão nova num podcast inglês: “cabinet reshuffle”, para se referir a uma dança das cadeiras num ministério. Gostei tanto dessa aquisição linguística que fiquei ansiosa por uma ocasião para usá-la. Hoje, a ocasião finalmente apareceu: durante uma palestra, um brasileiro comentou as recentes trocas de ministros em Brasília, e sapequei o “cabinet reshuffle” na tradução para os ouvintes britânicos da plateia. Que sensação boa ter a palavra certa – le mot juste, como dizem tão lindamente os franceses – na hora exata e na ponta da língua, para colocá-la com precisão no contexto adequado.

Nesse episódio, interessa menos a expressão em si do que o prazer de usá-la. Acertar na mosca um termo elegante, idiomático, aplicado com propriedade e sem pedantismo, é mais ou menos como ganhar uma roupa bonita e ter uma festa para vesti-la. Ou como comprar um vinho de uma safra memorável e degustar o primeiro gole quando a garrafa é aberta. Para quem gosta de línguas, adquirir uma nova palavra para o próprio vocabulário equivale a ter em mãos um presente que a gente curtiu muito e está louco para estrear.

Essa pequena (grande) felicidade não se restringe a intérpretes de conferência, quando produzem uma solução irretocável na fração de segundos que têm à disposição para fazer suas escolhas tradutórias. Sei que muitos colegas de profissão experimentam esse mesmo deleite, até porque já testemunhei vários golaços de intérpretes com quem divido a cabine. Para quem trabalha com tradução simultânea, é natural que esses momentos de curtição ocorram diante de expressões mais sofisticadas – afinal, por dever de ofício os tradutores precisam de um elevado grau de conhecimento dos idiomas em seu “cardápio”. Mas, guardadas as devidas proporções de proficiência, um estudante de X (preencha com o idioma de sua preferência) sente igual alegria quando finalmente consegue colocar em prática – numa viagem ou num curso no exterior, por exemplo – as lições estudadas na sala de aula.

E mais: a experiência não vale apenas para línguas estrangeiras. Também no nosso bom e velho português é bacana ter a possibilidade de usar uma expressão recém-incorporada, que a gente viu num livro ou leu no jornal. O mesmo vale para o jargão profissional: basta considerar um calouro de Direito, que se afoga no juridiquês ao entrar na faculdade e, com o tempo, compreende a diferença entre “deprecada”, “deprecado”, “deprecante” e “deprecar” – e torna-se capaz de usar a palavra certinha, na situação adequada, sem solavancos. Deve ser, sem dúvida, motivo de felicidade para um jovem bacharel.

Talvez esse prazer seja resultado da sensação real, quase palpável, de estar aprendendo (o que, em termos filosóficos, equivale a estar vivendo). Não à toa a gente diz “fulano domina tal língua”, como se os idiomas fossem bestas indomáveis que vamos domesticando à medida que nosso conhecimento aumenta. Quem já teve a experiência de começar a estudar uma nova língua na vida adulta sabe muito bem que a sensação pode ser exatamente essa: “eu nunca vou aprender esse troço”. Mas a gente aprende. E, quando aprende, é uma delícia.

Texto de Beatriz Velloso.

29 Nov / 2021

Uma tradução com mais de 2.000 anos de idade

Os intérpretes de conferência sabem a alegria que a gente sente quando encontra, vasculhando a internet, um texto sobre um assunto altamente técnico (“modelagem de processos geológicos”, para dar um exemplo baseado numa situação real) traduzido e publicado em três idiomas diferentes, justamente quando estamos às vésperas de interpretar um evento sobre o tema. Cotejado a outras fontes de informação, a dicionários e pesquisas de instituições acadêmicas, o trabalho dos tradutores que verteram o texto técnico é uma espécie de chave para ajudar os intérpretes a compreender o assunto, conhecer a terminologia específica nas três línguas, estabelecer correspondências entre elas, preparar glossários e estudar feito louco para estar preparado no dia da tradução simultânea. Achados como esse são um presente inesperado e precioso.

Guardadas as devidas proporções – e aqui cabe a ressalva de que a diferença entre as duas situações é colossal –, foi mais ou menos isso que soldados das tropas de Napoleão encontraram há exatos 221 anos, em 15 de julho de 1799, na cidade egípcia de el-Rashid. Naquela data histórica, os franceses toparam com uma pedra cinzenta, quebrada nas pontas, de estética aparentemente sem graça e conteúdo arqueológico bombástico: a Pedra de Roseta. Gravada naquele bloco de granodiorito estava a porta de entrada para a escrita de uma das maiores civilizações da Antiguidade, finalmente decifrável graças ao trabalho realizado quase dois mil anos antes por pessoas que traduziram uma mensagem original para outros dois idiomas e registraram as três versões num lugar só, deixando (mesmo que inadvertidamente) um documento trilíngue guardado para a posteridade.

Quem já foi ao Museu Britânico, em Londres, certamente viu a pedra em “carne e osso”, protegida por uma redoma de vidro – uma das atrações mais populares do local, ao lado dos famosos sarcófagos. O texto registrado na pedra, que data de 196 a.C., é um decreto, uma espécie de “diário oficial” daqueles tempos, para marcar o primeiro aniversário da coroação de Ptolomeu V no período em que os gregos dominaram o Egito, após a conquista por Alexandre, O Grande. Como costumam fazer os conquistadores, os gregos impuseram sua língua como idioma oficial (à semelhança dos romanos com o latim, dos britânicos com o inglês, dos portugueses aqui no Brasil e por aí vai). Mesmo assim, a população local continuava usando a linguagem do povo. Por isso, a Pedra de Roseta traz o tal decreto escrito em grego clássico, em demótico (a “língua do povo”, falada pelos egípcios comuns) e nos hieróglifos que entrariam para a história – embora, àquela altura, os símbolos que hoje nos fascinam fossem lidos e escritos apenas pelos sacerdotes, e já estivessem caindo em desuso.

De posse da pedra, teve início um complexo e demorado processo para estabelecer a correlação entre as três versões do texto. Ao final da empreitada, historiadores, antropólogos e estudiosos finalmente conseguiram ler não só essa inscrição, mas milhares de outras talhadas com os pictogramas egípcios. O primeiro a se debruçar sobre a Roseta foi o polímata (palavra chique para se referir a um conhecedor de muitos assuntos) britânico Thomas Young. No entanto, o francês Jean-François Champollion – tido como o pai da egiptologia – foi quem finalmente percebeu, por volta de 1821, que os símbolos gravados eram não apenas representações pictóricas, mas também fonéticas da língua egípcia.

Para além de questões relacionadas aos idiomas da Antiguidade, à trajetória milenar das traduções e à aura cifrada dos pictogramas, a Pedra de Roseta contém quilos – literais e metafóricos – de História com agá maiúsculo. Ela é um portão de acesso ao período de domínio grego sobre os egípcios, numa época em que Alexandria era “a” cidade do momento (conforme comprova a biblioteca local, que se tornaria uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo). Ela costura o fio da trajetória de Ptolomeu V, herdeiro frágil de uma dinastia poderosa, que ascendeu ao trono aos 6 anos de idade após a morte do pai – e segurou um rojão de revoltas, invasões e outros probleminhas típicos da realeza. Ela nos lembra que, depois dos gregos, o Egito foi tomado pelos romanos, pelos bizantinos, pelos persas, pelos árabes muçulmanos e turcos otomanos. Esse naco de pedra é ainda um ícone sólido da rivalidade histórica entre França e Inglaterra. Afinal de contas, como é que uma peça encontrada por tropas napoleônicas foi parar no Museu Britânico? Pois é: não muito tempo depois da grande descoberta, os franceses se renderam diante da frota do Almirante Nelson, e os termos da rendição previam que o exército vitorioso ficaria com antiguidades e a valiosa Roseta.

A pedra oferece também uma boa aula de geografia. Eu (que infelizmente nunca fui ao Egito) não sabia, por exemplo, que Memphis – Mênfis, na grafia portuguesa – não é apenas a cidade americana no estado do Tennessee onde Elvis Presley viveu na lendária mansão de Graceland: muito antes disso já havia um local sagrado de mesmo nome no Egito, pertinho do Nilo, onde Ptolomeu V foi coroado e a Roseta ficou instalada antes de ser transferida para el-Rashid (ou “Roseta” em árabe transliterado, daí o nome do tesouro arqueológico). Curiosamente, o estado de Illinois, um pouquinho ao norte do Tennessee, tem uma cidade chamada… Cairo.

Muitas das informações contidas neste post foram tiradas de um livro imperdível: A História do Mundo em Cem Objetos (disponível também num podcast super bem-feito, produzido pela BBC). Traduzida para o português por Ana Beatriz Rodrigues, Berilo Vargas e Cláudio Figueiredo, a obra do historiador Neil MacGregor – diretor do Museu Britânico à época da publicação – parte de cem peças do acervo da instituição para traçar a história da humanidade. E quem quiser brincar de Indiana Jones e escrever na linguagem dos hieróglifos pode conferir o Fabricius, ferramenta bem bacaninha do Google Arts & Culture que ensina uma porção de coisas interessantes sobre a Pedra de Roseta e permite mandar mensagens no formato dos pictogramas egípcios.

Texto de Beatriz Velloso.

08 Nov / 2021

Não somos um algoritmo. Somos gente de carne, osso, um cérebro ligeiro – e um coração

Eu me emocionei e me identifiquei com o intérprete de Libras que não conteve o choro ao vivo e teve de ser substituído durante o depoimento à CPI de uma jovem que ficou órfã de pai e mãe, vítimas da Covid.

Há algumas semanas, passei por uma situação semelhante. Durante um evento sobre luto, com participantes estrangeiros e tradução simultânea, foram compartilhadas várias histórias dolorosas de gente que enfrentou a barra pesada de perder parentes próximos e amigos queridos. Lá pelas tantas, uma especialista americana de um serviço para pessoas enlutadas relembrou o dia em que um menino de 6 anos chegou a uma reunião de apoio com um pedido: “meu pai morreu e eu quero ele de volta”.

No momento em que tive de falar essas palavras em português, em primeira pessoa, me colocando no lugar daquela criança inconformada com a partida repentina do pai, não consegui segurar a onda. O nó travou a garganta, a voz falhou, os olhos se encheram d’água. A colega intérprete que estava comigo logo sacou que eu estava chorando, e assumiu o microfone. A reação de carinho e compreensão das pessoas que escutavam a interpretação e se manifestaram pelo chat (reproduzo as mensagens aqui, sem identificar os autores) me tocou ainda mais. Foi um alívio: eu me senti autorizada a chorar, a demonstrar sentimentos, a sair – ainda que apenas por alguns instantes – da impossível e falsa posição de neutralidade atribuída aos intérpretes. Sou grata ao público daquele webinar, que acolheu minha emoção; à imensa sensibilidade e competência da minha concabina; aos que compartilharam narrativas pungentes e confiaram sua fala às intérpretes.

Não somos um algoritmo, uma inteligência artificial. Somos gente de carne, osso, um cérebro ligeiro – e um coração. E como é bonito ver o lado humano da interpretação. Assim como fizeram comigo quando chorei aquele dia, mando meu abraço solidário ao intérprete de Libras João Gleverson de Oliveira, que fez um lindo trabalho e transmitiu para a comunidade surda a emoção da jovem durante a CPI. E que atire a primeira pedra o intérprete que nunca derramou uma lágrima no escurinho da cabine.

(Em tempo: lembrei também do episódio com a Raffaella de Filippis Quental, uma tremenda intérprete de italiano e professora de interpretação da PUC-Rio, que se emocionou há alguns anos ao traduzir uma das mesas da Flip.)

Texto de Beatriz Velloso.

18 Out / 2021

“Até pensei que fosse minha”​

Ouvir versões de músicas brasileiras em outros idiomas é um prazer especial. Uma melodia conhecida, apresentada numa língua diferente, nos reconecta a uma velha canção como se estivéssemos ouvindo pela primeira vez. Palavras e rimas estrangeiras são um passe de mágica: a música ganha vida nova, um tempero exótico, um estranho encantamento que faz a gente ver com outros olhos (e escutar com outros ouvidos) uma batida familiar. “Eu já ouvi isso antes… Mas não estou reconhecendo”. Essa mistura de intimidade e descoberta é uma delícia.

Para encontrar um primeiro exemplo não é preciso ir longe do ponto de vista linguístico (embora seja necessário atravessar o Atlântico): António Zambujo cantando Injuriado em português de Portugal parece, por vezes, estar falando um idioma quase incompreensível – e, de certa forma, está mesmo. O próprio título dado por Zambujo a seu lindo álbum com músicas de Chico Buarque pode ser aplicado à relação dos portugueses com a língua brasileira, que herdamos deles e fizemos nossa: “Até pensei que fosse minha”.

São tantas versões legais, muitas delas de sambas famosos. Que tal a cubana Celia Cruz transferindo Você Abusou para o espanhol em Usted Abusó? A simples troca do conhecido verso “tirou partido de mim” por um sonoro “sacó provecho de mí”, somada à substituição dos tamborins por uma levada de salsa, transforma o sucesso de Antônio Carlos e Jocafi num hit caribenho. Ou Caterina Valente fazendo um ítalo-Samba de Uma Nota Só, toda delicada: “Per un samba piccolino / Una nota basterà”. Olha que coisa mais linda e mais cheia de graça esse versinho cantarolado em italiano! O francês Pierre Vassiliu manteve a batucada brazuca em sua versão de Partido Alto, também de Chico, mas mudou completamente a letra. Até porque, convenhamos, seria um baita desafio traduzir e preservar as nuances, referências e brasileirismos de frases como “Vou correr o mundo afora/ Dar uma canjica / Que é pra ver se alguém se embala / Ao ronco da cuíca”). E para dar de vez um nó na cabeça da gente, o negócio é ouvir Mas Que Nada em japonês, com Pink Martini: não dá pra saber se estamos em Copacabana ou em Tóquio, comendo um yakissoba em Nagoya ou tomando uma caipirinha no Bracarense. (Aqui, para descobrir se a letra original foi preservada ou virou de cabeça para baixo, conto com a ajuda da Anna Ligia Pozzetti).

O mesmo Tom Jobim que compôs o Samba de Uma Nota Só ficava tiririca com as versões para inglês de suas letras, feitas por Norman Gimbel. (Curiosidade rápida: além de transpor a bossa de Tom para o inglês, Gimbel escreveu Killing Me Softly, clássico de Roberta Flack – que, por sua vez, recebeu uma versão em português com a cantora Joanna, que eu fui buscar lá no fundo do baú). No livro Chega de Saudade, Ruy Castro conta que Tom ficou particularmente aborrecido com o extreme makeover sofrido por Inútil Paisagem: onde Elis Regina cantava “pra quê tanto céu, pra quê tanto mar, pra quê?” (só de ouvir a gente pensa num fim de tarde em Ipanema), Gimbel sapecou “there’s no use of a moonlight glow / or the peaks where winter snows” (fomos parar numa noite gelada nas montanhas do Colorado ou coisa do gênero). Pode até ser verdade que a leitura do americano descaracterizou o clima marcadamente carioca do original. Mas quem resiste a Frank Sinatra declamando esses versos com sua voz de veludo no disco gravado com o próprio Tom? Quando a gente se dá conta, está achando tudo uma beleza – inclusive os picos nevados.

A música e a língua têm esse poder sensorial. E, como hoje é sexta, aumente o volume, afrouxe o nó da gravata (metaforicamente falando) e embarque numa viagem linguístico-melódica. Vale a pena.

Texto de Beatriz Velloso.

13 Set / 2021

In the arm or in the “bumbum”?, eis a questão

“Why does everyone get in the arm, but I’m getting it in the bumbum?”. Nada como um olhar estrangeiro para a gente achar graça em coisas tão nossas que até passam batidas em meio ao toró de informações do dia a dia. Jornais e sites brasileiros já haviam noticiado a inesperada parte do corpo escolhida pelas autoridades sanitárias de Joinville para aplicar a vacina contra a Covid-19: não o braço, e sim o traseiro. Em suas matérias, os veículos locais optaram por termos com um jeitão mais médico-científico, como “glúteo”, “ventroglúteo”, “nádegas”, etc. Mas eis que Terrence McCoy, correspondente do Washington Post no Brasil, decide dar nome aos bois: “I found out that almost everyone was taking the vaccine in the bunda“, escreveu ele, sem pudor, fazendo questão de deixar o último elemento da frase em português – num sinal claro de que o vocábulo merece deferência.

É curioso como a mesma palavra ecoa de um jeito diferente quando surge intrometida em outro idioma, um elemento extravagante no meio de uma sentença aparentemente prosaica. Nas reportagens escritas em português, talvez realmente ficasse estranho e até desrespeitoso escrever “bunda” assim, sem constrangimento. (Minha avó, que cresceu numa família pudica em Alagoas, dizia que na casa dela a palavra era proibida: só se referia a essa região da anatomia humana pelo código cifrado “tundá”.) No entanto, misturados a um texto bem-humorado em inglês – ou, para todos os efeitos, em qualquer outro idioma estrangeiro –, esses termos se revelam graciosos, pitorescos. É como se a gente redescobrisse um orgulho ufanista em relação à própria língua: só nós, brasileiros, temos uma palavra tão peculiar quanto “bumbum”. Está certo que o bumbum propriamente dito foi associado a uma porção de estereótipos grosseiros e machistas sobre o Brasil e principalmente sobre a mulher brasileira (o repórter americano lista alguns deles em seu texto). Mas, aqui, me refiro a aspectos fonéticos, semânticos, etimológicos: a matriz nitidamente africana, que nos conecta a um naco determinante da nossa história; a grafia que cria uma representação quase visual, com duas sílabas curvilíneas postas lado a lado; o som que retumba como um instrumento de percussão.

(Informação para nerds linguísticos: bumbum é um hipocorístico, uma palavra adaptada para uso doméstico e afetivo, de bunda – que, por sua vez, vem do quimbundo, língua falada em Angola, e significa “quadris, nádegas”.)

Terrence McCoy também não teve medo de fazer uma porção de trocadilhos em inglês – nem mesmo no título: “Most everyone gets the coronavirus vaccine in the arm. Butt this Brazilian city is shooting lower” (grifo meu para o termo em inglês, equivalente a bumbum, que o jornalista usou no lugar do conhecido “but” adversativo, grafado com um único T). E mais adiante: “City spokesman Thiago Boeing said officials aren’t allowing anything to fall between the cracks.” Em inglês, “to fall between the cracks” significa “deixar alguma coisa escapar” (aqui, usada na negativa, a expressão traz o sentido de que as autoridades estão atentas a tudo, seguras da escolha de aplicar o imunizante mais embaixo). Mas “butt crack” é também uma gíria para o bom e velho “cofrinho” – e aí o jogo de sentidos fica claro. Eu sei que trocadilhos são polêmicos, e quase invariavelmente vêm acompanhados do adjetivo “infame” (o que considero uma tremenda injustiça). A prova de que são um elemento linguístico sofisticado é a dificuldade de traduzi-los, conforme apontou Paulo Rónai em seu ensaio “Defesa e ilustração do trocadilho”. O caso acima é exemplar: a frase escrita por McCoy fica divertida em inglês, no contexto da reportagem. Mas quando a gente passa para o português, perde a graça – como uma piada ruim, que o interlocutor não entende e a gente precisa explicar o final.

Moral da história: tomemos todos a vacina. Não importa se ela vai “in the arm or in the bumbum”.

 

Texto de Beatriz Velloso.

30 Ago / 2021

“Posso traduzir primeiro?”

A participação diplomática e precisa da intérprete Zhang Jing durante uma reunião bilateral chamou atenção para o trabalho fundamental dos tradutores – presentes em todos os grandes momentos da História, desde o Antigo Egito até a queda da Cortina de Ferro

“Vamos dar um aumento para a intérprete”. Assim o Secretário de Estado americano, Antony Blinken, elogiou o trabalho de Zhang Jing, responsável pela tradução consecutiva das reuniões oficiais entre China e Estados Unidos – as primeiras sob o governo de Joe Biden.

Durante um momento particularmente tenso do encontro, realizado no Alasca, o diplomata chinês Yang Jiechi deu uma resposta de 16 minutos ininterruptos a um comentário feito por Blinken. Enquanto Jiechi falava sem parar, a intérprete tomava notas furiosamente, e a delegação americana aguardava a tradução. Quando Jiechi finalmente terminou, ele fez um sinal para que o Ministro das Relações Exteriores da China continuasse – esquecendo-se da intérprete. O ministro, por sua vez, acenou para a intérprete, e Jing interrompeu com delicadeza: “posso traduzir primeiro?”. Em inglês, Jiechi sorriu e disse: “é um teste para a intérprete”. E foi aí que Blinken sapecou a brincadeira sobre o reajuste no salário. A cena viralizou na China e Jing saiu dos bastidores – onde os intérpretes costumam ficar – para se tornar uma celebridade no Twitter.

O episódio é o exemplo mais recente da importância dos intérpretes em contextos diplomáticos. “Sem eles, simplesmente não haveria relações internacionais”, resume Jean Delisle, professor da Faculdade de Tradução e Interpretação da Universidade de Ottawa, no Canadá. É dele o prefácio de Interpreters as Diplomats (inédito em português), escrito pela cientista política Ruth A. Roland, um livrinho curto e super interessante sobre a fascinante presença de tradutores em diversos momentos da História – desde os tempos dos faraós, no Antigo Egito, até o fim da Guerra Fria, passando pela chegada das naus de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.

O caso de Zhang Jing chama atenção porque, desde o advento da interpretação simultânea (aquela com fones de ouvido para a plateia, e mais recentemente feita por plataformas online), a modalidade consecutiva que foi usada na reunião sino-americana tornou-se bem menos frequente. E, quando ocorre, os trechos traduzidos pelos intérpretes são mais curtos – dois, três, no máximo cinco minutos cada (e não os intermináveis 16, como se viu no Alasca). Em alguns casos opta-se até pela chamada “interpretação intermitente”, ou frase por frase. Mas hoje em dia é extremamente raro alguém falar por tanto tempo sem fazer pausas para a interpretação. E a dificuldade da tarefa – que exige alto grau de memória e concentração, habilidade de anotação rápida e resumida, precisão e sobretudo sangue frio – foi reconhecida no comentário bem-humorado do Secretário de Estado americano.

A interpretação simultânea surgiu após a Segunda Guerra Mundial, durante os Julgamentos de Nurembergue, onde havia quatro idiomas oficiais (inglês, francês, russo e alemão). Traduzir de forma consecutiva todos os depoimentos e arguições, para todos esses idiomas, seria impraticável – e levaria anos. Foi desenvolvida então uma versão rudimentar dos equipamentos que temos atualmente, com microfones para os intérpretes, cabos e fones de ouvido para a plateia. Antes disso, porém, a consecutiva era “a” modalidade em qualquer ocasião oficial. Naqueles tempos, os intérpretes mais experientes e famosos eram capazes de ouvir discursos de até uma hora e depois traduzir tudo, de forma fiel e precisa. Assim funcionava, por exemplo, a Liga das Nações, onde intérpretes lendários como Paul Mantoux costumavam roubar a cena. Esses profissionais tinham tamanha importância para o funcionamento do organismo multilateral, e desfrutavam de tamanho prestígio, que contavam com os mesmos privilégios que os delegados dos países – incluindo imunidade diplomática.

Com efeito, as habilidades diplomáticas (uma mistura bem azeitada de clareza na comunicação, capacidade de negociação e muito tato) são fundamentais para qualquer bom intérprete. Ainda nas palavras do professor Delisle, esses profissionais são “acrobatas linguísticos que vivem se equilibrando numa corda bamba: eles têm o instinto de entrar em estado de alerta sempre que há tensão no ar, discussões acaloradas ou paixões extremadas em jogo”. A intérprete Jing certamente estava com todas as antenas ligadas na reunião da semana passada – não apenas no longo discurso de Yang Jiechi, mas durante todo o encontro.

O caso ocorrido no Alasca revela, ainda, uma dimensão fundamental da língua como arma de afirmação política, econômica, comercial e cultural. Em encontros diplomáticos ou entre chefes de estado, os presentes sempre falam no próprio idioma e contam com intérpretes. Por isso fiquei brava há algum tempo quando a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem dizendo que a presença de intérpretes durante uma visita do atual presidente brasileiro ao então líder americano Donald Trump “prejudicava” a conversa. O comentário, feito justamente no caderno que cobre assuntos internacionais, revelava um tremendo desconhecimento sobre a dinâmica dos encontros bi ou multilaterais. Além de facilitar a vida dos participantes (que ficam à vontade para se concentrar no que interessa – a mensagem – sem se preocupar com a estrutura da frase, a pronúncia ou a gramática em um idioma estrangeiro), a interpretação é uma tradição secular em contextos diplomáticos, e carrega consigo um recado: nenhum idioma deve se sobrepor a outro, e todos têm o direito de se expressar na sua língua materna.

Um exemplo histórico: em 1936, ao solicitar ajuda da Liga das Nações contra um ataque italiano, o imperador da Etiópia Haile Selassie fez questão de se dirigir ao plenário em amárico – e foi traduzido para o francês por um intérprete. Selassie falava um francês impecável, mas fazê-lo naquela ocasião, num discurso com aquele conteúdo, seria um sinal de dominação pelos europeus, e o imperador quis marcar posição ao usar o idioma do seu país. Assim é também com deputados indígenas do Canadá e da Austrália, que conquistaram o direito de ir à tribuna discursar em suas línguas, com a presença de intérpretes. Ou no Parlamento Europeu, onde todos (todos mesmo, e olhe que são 27 estados membros) os representantes podem falar na própria língua. E assim foi na recente rodada entre China e Estados Unidos: o diplomata Jiechi estudou no Reino Unido e é fluente em inglês, mas usou seu idioma materno. O embate da semana passada foi mais um capítulo nessa “briga de cachorro grande” em que ambos os lados buscam marcar território – inclusive do ponto de vista linguístico, já que inglês e mandarim são, cabeça a cabeça, os dois idiomas mais falados do mundo.

É evidente que, às vezes, a presença dos intérpretes é usada como ferramenta de manipulação. Em alguns momentos, as partes aproveitam os minutos em que o tradutor fala para pensar no próximo argumento ou resposta. Em outras situações, sugerem que a tradução estava errada como forma de corrigir algum equívoco ou comentário infeliz produzido na língua original (embora os intérpretes possam errar, é claro, como qualquer ser humano).

Não é possível saber se o longo discurso de Yang Jiechi, que colocou a intérprete chinesa sob os holofotes e a levou a viralizar no TikTok, teve uma intenção estratégica. O fato é que o diplomata chutou uma bola quadrada para Zhang Jing – mas ela dominou, matou no peito, fez uma bela tradução consecutiva e marcou um gol para a nossa profissão.

Texto de Beatriz Velloso.

23 Ago / 2021

O Tamanho das Línguas

Eu tirei a foto abaixo há um bom tempo – naquele “passado distante” em que a gente ia a museus, cinemas e restaurantes, ou se amontoava em aeroportos e voos lotados. É a imagem de uma das legendas de parede da exposição de Takashi Murakami no Instituto Tomie Ohtake, realizada em São Paulo no final de 2019. Na época, as duas colunas de texto colocadas lado a lado, em português e inglês, chamaram minha atenção quase tanto quanto as obras grandiosas, coloridas e oníricas do artista japonês: eram uma representação gráfica muito clara da diferença no tamanho das línguas.

Lembrei dessa foto hoje, enquanto fazia a tradução de um arquivo em formato Powerpoint. Terminado o trabalho, os textos em português ficaram todos, sem exceção, mais longos do que os originais em inglês – o que acabou alterando um pouquinho o layout dos slides.

Alguns clientes às vezes têm dificuldade de compreender essa característica intrínseca das línguas – o que é totalmente compreensível para quem não trabalha com idiomas de forma tão íntima quanto tradutores e intérpretes: o português (e as línguas latinas, de maneira geral) é mais prolixo do que o inglês. No Brasil, quase sempre precisamos de mais palavras para dizer a mesma coisa que um americano ou britânico. Em parte, isso se deve à estrutura dos idiomas: via de regra, o inglês é mais sucinto, mais afeito a contrações que transformam duas palavras em uma (did not = didn’t), mais capaz de resumir ações que soam compridas em português (“garden”, como verbo, é o que nós chamamos “praticar jardinagem” – uma diferença de 12 letras!). Além disso, o inglês usa menos artigos: no exemplo da foto das legendas da exposição, “Japanese art and culture” vira “A arte e a cultura japonesas”.

Mas há também questões culturais em jogo: por aqui, temos um jeito mais elaborado de falar, mais cheio de salamaleques (o que, na minha opinião, faz parte do charme do português). Para constatar essas variações de personalidade linguística, basta recorrer a uma expressão prosaica do cotidiano: o clássico “mind the gap” do metrô londrino, um primor de concisão, vira “ao desembarcar, cuidado com o vão entre o trem e a plataforma” nas estações de São Paulo.

A comparação entre as duas colunas de texto da foto tirada no Tomie Ohtake e os outros exemplos citados acima podem parecer irrelevantes. Afinal de contas, que diferença fazem 12 letrinhas (ou 40, no caso do aviso sonoro nos vagões)? Pois elas fazem diferença sim, e muita. Somadas, essas pequenas alterações de tamanho ao longo de uma publicação mais comprida, de um livro, de uma apresentação de slides ou de um cartaz podem significar mudanças na paginação, no tamanho da fonte escolhida, no espaçamento, na quantidade de páginas e até de tinta necessárias para impressão. Tudo isso tem um efeito não apenas estético, mas também financeiro, que deve ser levado em consideração. Além disso, vale lembrar que o trabalho dos tradutores é traduzir – mas não paginar, fazer ajustes no design ou editar, decidindo o que fica e o que sai caso a intenção seja preservar o tamanho do texto.

Moral da história: se na sua empresa você precisa de traduções, lembre-se de que as línguas têm diferentes estruturas, gramáticas, sintaxes, ortografias – e, consequentemente, tamanhos. Vale a pena computar essas variáveis quando tiver em mãos um texto em inglês que precisa ser vertido para português. A chance de receber de volta um arquivo com mais caracteres e palavras do que o enviado originalmente é imensa.

Em tempo: não me lembro mais o nome do/a tradutor/a responsável pelos textos sobre Murakami, embora com certeza eu tenha observado isso quando fui à exposição. Se alguém souber, avise aqui para que eu possa dar o devido crédito.

Texto de Beatriz Velloso.

16 Ago / 2021

Vem aí um estudo sobre o impacto da “cabine virtual”​ no desempenho do intérprete

“Por dentro da cabine virtual: o impacto das características da interpretação remota na experiência e no desempenho do intérprete”. O tema não poderia ser mais relevante neste (já nem tão) novo mundo de webinars, lives e videoconferências com tradução simultânea. O projeto de pesquisa de Nicoletta Spinolo (Universidade de Bolonha, Itália) e Agnieszka Chmiel (Universidade  Adam Mickiewicz, Polônia) foi o ganhador da bolsa de estudos oferecida pela AIIC, a Associação Internacional de Intérpretes de Conferência. As duas pesquisadoras vão avaliar como o input recebido pelo intérprete na interpretação online (áudio, vídeo, etc.) e a estrutura do local de trabalho (em casa ou num estúdio de interpretação) afetam os níveis de estresse, fadiga e a carga cognitiva dos profissionais da área.

Os resultados do estudo podem ajudar muitos intérpretes a aprimorar ainda mais as condições da tradução simultânea remota – ou RSI, na sigla em inglês – até que os eventos presenciais voltem a acontecer (“se”, “quando” e “como” isso vai ocorrer… aí já é outro papo).

Em tempo: a professora Chmiel é também autora de outro trabalho interessante que mistura Estudos da Interpretação e Psicolinguística. Nele, os intérpretes – cuja prática ativa e simultânea de mais de um idioma é única e altamente complexa, diferente inclusive de pessoas bilíngues que não são intérpretes – são usados para observar questões cognitivas importantes. O artigo de Chmiel, “Interpreting Studies and Psycholinguistics”, foi publicado no livro “Why Translation Studies Matters“, que tem muita coisa boa para quem gosta do assunto – como uma análise sobre as áreas do cérebro ativadas durante a interpretação simultânea, feita com a ajuda de ressonância magnética, e um texto sobre a censura do regime franquista espanhol (1936 – 1975) às traduções de filmes americanos de faroeste.

Texto de Beatriz Velloso.