19 Jul / 2021

As Olimpíadas e a interpretação: Do esporte para a cabine

Há uma modalidade olímpica que tem o mesmo nome de um tipo de tradução simultânea: o relay, em inglês – a famosa prova de revezamento. Embora ela exista tanto no atletismo quanto na natação, aqui nós vamos falar das pistas, e não das piscinas. Nas Olimpíadas, o relay é a corrida em que quatro atletas de uma mesma equipe correm 100 (ou 400) metros cada um, passando o bastão para o companheiro à frente ao final de cada trecho.

Esse esporte permite fazer duas analogias com o universo da interpretação de conferências.

A primeira diz respeito à interpretação em relay (ou “relê”, como é conhecida entre os intérpretes brasileiros). Na tradução simultânea, o relay ocorre em eventos com três ou mais idiomas oficiais. Tomemos como exemplo uma situação comum em conferências realizadas no Brasil: um congresso com palestrantes nacionais, americanos e de língua espanhola (argentinos, chilenos, mexicanos, etc.). Nesse cenário, haverá uma cabine para cada idioma estrangeiro – na nossa hipótese, uma cabine fazendo a tradução entre português e inglês, outra trabalhando entre português e espanhol. Assim, quando o congressista brasileiro falar português, o discurso será traduzido para espanhol e inglês pelas respectivas cabines.

Mas o que acontece quando o palestrante espanhol sobe ao palco? O que farão os intérpretes de inglês (que falam também português, mas não são perfeitamente fluentes em espanhol)? E quando discursa o palestrante americano? Como vão trabalhar os intérpretes de espanhol, que têm vastos conhecimentos de português, mas não contam com inglês como língua de trabalho?

Nesse momento, entra em cena o relay da interpretação de conferências. O português é a língua comum – o “bastão” que uma cabine passa para a outra, assim como no atletismo. O palestrante fala espanhol, e a cabine de espanhol traduz para o português; os intérpretes da cabine ao lado escutam essa versão em português e traduzem tudo para o inglês. O mesmo ocorre, em sentido contrário, quando o conferencista fala inglês. Dessa forma, os três idiomas estão permanentemente contemplados, mesmo que nem todos os intérpretes falem fluentemente as três línguas.

No exemplo acima, a cabine de espanhol tem responsabilidade dobrada: produzir um discurso correto e bem estruturado em português tanto para os brasileiros da plateia quanto para a cabine vizinha, que dependerá desse discurso para fazer a tradução simultânea para o inglês. Na prova de relay também é assim: é necessário passar o bastão com segurança e firmeza para o atleta da frente, sem deixar cair e sem perder o ritmo, para que toda a equipe siga em frente rumo à linha de chegada. Os atletas jamaicanos – como a lenda do atletismo Usain Bolt, na foto acima – são craques nessa coreografia de precisão e alta velocidade.

Esta é a primeira metáfora possível entre a prova de revezamento e a interpretação. A segunda se aplica a qualquer circunstância em que dois intérpretes trabalham juntos – a rigor, qualquer evento com mais de uma hora de duração. Isso porque o alto grau de concentração exigido pela tradução simultânea determina que os intérpretes trabalhem em duplas nas palestras com mais de 60 minutos (mesmo que o evento tenha apenas dois idiomas oficiais e uma única cabine).

Nesses casos, os intérpretes se revezam a cada 20 ou 30 minutos, para que o esforço de atenção elevada e o cansaço de falar e ouvir ao mesmo tempo (em duas línguas diferentes!) não prejudiquem a qualidade do trabalho. Aqui, também, os tradutores devem “passar o bastão” um para o outro, enquanto o palestrante fala, no meio da apresentação. E será igualmente importante ter a sintonia de uma boa equipe de atletas de relay: escolher o melhor momento para fazer a troca, a hora exata de permitir que o colega assuma o microfone sem “deixar o bastão cair” – sem solavancos, sem interromper uma frase no meio do caminho, da maneira mais suave e elegante possível.

Pronto: agora você já sabe o que um intérprete quer dizer quando fala em relay ou pensa em “passar o bastão”.