09 Ago / 2021

As Olimpíadas e a interpretação: Do esporte para a cabine, último capítulo

Neste texto que encerra a série “As Olimpíadas e a Interpretação”, vamos usar o vôlei de praia para tratar de um aspecto crucial da tradução simultânea: o trabalho em duplas. Na cabine, assim como na areia, a sintonia entre os parceiros profissionais é fundamental para chegar à vitória – seja ela uma medalha ou uma interpretação bem-feita.

O passar da bola entre um e outro integrante da dupla são como o revezamento dentro da cabine. Devido ao alto grau de concentração exigido pela tradução simultânea, e às muitas horas que o intérprete passa falando, a interpretação é feita em duplas sempre que a duração do evento ultrapassa uma hora. A presença de dois profissionais garante que ambos consigam manter um alto nível de atenção e possam descansar a voz (e o cérebro!). Vale lembrar que, num congresso ou reunião internacional, os convidados se alternam: um palestrante fala durante uma hora, a plateia faz perguntas, outro palestrante sobe ao palco… Um único intérprete ficaria exaurido se fosse traduzir sozinho todas essas pessoas – e o cansaço, por consequência, levaria a uma queda na qualidade do trabalho. Daí a convenção, estabelecida nos primórdios da profissão e observada em todo o mundo, de trabalhar em pares.

Existe outra analogia entre o vôlei de praia e a interpretação de conferências: a necessidade de uma comunicação silenciosa, sem palavras, entre as duplas. Numa partida na areia (e também em quadras cobertas, diga-se), os jogadores se comunicam por olhares, gestos e, com frequência, sinais feitos nas costas, com os dedos, para indicar ao colega como deve ser a próxima jogada. No esporte, o objetivo dessa tática é manter em segredo a estratégia de ataque, de modo a pegar o adversário de surpresa.

Na cabine, os intérpretes também se comunicam sem palavras. No microfone, traduzem apenas o que está sendo dito pelos palestrantes; qualquer outra mensagem entre eles não deve ser ouvida pela plateia. Os tradutores recorrem a mensagens escritas num pedaço de papel, recados falados apenas com os lábios (sem produzir som), a gestos e ao botão mute do console de som, que permite “cortar” os microfones dos tradutores por alguns segundos. Os concabinos, como são conhecidas as duplas no universo da interpretação, precisam estar atentos um ao outro. Assim, um intérprete pode avisar ao colega que há um problema no som, que está na hora do revezamento ou que precisa de ajuda com alguma palavra ou expressão espinhosa surgida ao longo do caminho.

Isso nos leva a mais uma semelhança entre o vôlei de praia e a tradução simultânea. Com grande frequência, o intérprete que está em silêncio auxilia o colega diante de uma armadilha linguística inesperada. Ao perceber que o palestrante usou um termo complexo ou de difícil tradução, ele rapidamente pesquisa (na internet, num glossário ou dicionário) e escreve num papel uma sugestão para o concabino. Assim como no vôlei, este é o momento em que um jogador levanta e o outro corta: cabe ao intérprete que está calado colocar a bola na posição certa (descobrindo a tradução correta) para que o outro dê um toque preciso e use a expressão exata.

Na Olimpíada de Tóquio, a dupla de brasileiras Ágatha e Duda começaram a temporada como favoritas ao ouro no vôlei de praia feminino, mas foram eliminadas nas oitavas-de-final. Já nas cabines, a Vox está sempre pronta para a próxima partida: a tradução simultânea é, definitivamente, a nossa praia.