17 Mai / 2021

“Negacionismo”, “feminicídio”: novos vocábulos do nosso idioma

A Academia Brasileira de Letras divulgou recentemente uma lista de novas palavras (“gordofobia”, “afrofuturismo”, “uberização”) incorporadas oficialmente ao léxico do português brasileiro, conforme noticiou a revista Veja. A decisão da ABL tem importância mais simbólica do que prática. Ela indica que a vetusta entidade fundada em 1897 por Machado de Assis, onde os “imortais” se reúnem vestindo seus solenes fardões, finalmente abraçou um fato incontornável: a língua é um organismo vivo, mutante, uma esponja que absorve tudo ao redor (quem nunca ouviu alguém dizer: “o link está embedado no site”?). Lutar contra essa realidade “é a luta mais vã”, parafraseando o famoso verso de Carlos Drummond de Andrade. E, por mais que a Academia tenha lá suas regras e resistências, as pessoas vão falar o que e como bem entenderem – nas ruas, no Twitter, nas conversas por WhatsApp, no bate-papo sobre o Big Brother.

Há algum tempo a ABL já vinha publicando em seu site uma nova palavra por semana. A diferença, agora, é que os termos que integram a recém-divulgada lista serão formalmente adotados pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que serve como base para os dicionários. Embora não se publiquem mais dicionários físicos (na era digital, não faz sentido um catatau de 2922 páginas, como é o caso do Houaiss), as compilações de verbetes seguem sendo atualizadas – e o VOLP, como é conhecida a lista compilada pela Academia, é a principal referência.

Aurélio Buarque de Holanda, o homem cujo nome virou sinônimo de dicionário, foi um dos primeiros lexicógrafos brasileiros a colocar em prática essa compreensão. Nos longos anos de pesquisa e labuta para reunir os mais de 120 mil verbetes da primeira edição do “Novo dicionário da língua portuguesa” (era esse o nome original da obra lançada em 1975), ele fez questão de incluir gírias, palavrões, regionalismos, termos relacionados a sexo e estrangeirismos – coisa que muitos filólogos da época se recusavam a fazer, teimando em não “poluir” a língua, como se fossem as páginas estáticas que determinassem o uso que a gente faz do idioma, e não o inverso. Um exemplo singelo: entre os sinônimos de “libélula”, Aurélio colocou “lava-bunda” – um pequeno escândalo para a sociedade conservadora de então, em plenos anos de chumbo da ditadura militar.

A história da criação do famoso dicionário é narrada com leveza no simpático “Por trás das palavras”, do jornalista fluminense Cezar Motta, lançado no final do ano passado. Num trecho do livro, o autor cita uma entrevista dada por Aurélio, na qual ele dizia: “As palavras são ariscas. Quando você vê, a palavra tragou você”. Talvez a sacada mais inteligente do lendário dicionarista alagoano tenha sido se deixar engolir pela língua, conforme a ABL (na qual Aurélio ocupou a cadeira de número 30, hoje pertencente a Nélida Piñon) está finalmente fazendo agora.

Texto de Beatriz Velloso.